À Minha Noiva
Arthur Azevedo
"Tu és flor; as tuas pétalas
orvalho lúbrico molha;
eu sou flor que se desfolha
no verde chão do jardim."
Têm por moda agora os líricos
versos fazer neste estilo...
Tu és isso, eu sou aquilo,
tu és assado, eu assim...
Às negaças deste gênero,
Carlotinha, não resisto:
vou dizer que tu és isto,
que aquilo sou vou dizer;
tu és um pé de camélia,
eu sou triste pé de alface,
tu és a aurora que nasce,
eu sou fogueira a morrer.
Tu és a vaga pacífica,
eu sou a onda encrespada,
tu és tudo, eu não sou nada,
nem por descuido doutor;
tu és de Deus uma lágrima,
eu sou de suor um pingo,
eu sou no amor o gardingo,
tu Hermengarda no amor.
Os fatos restabeleçam-se,
ó dona dos pés pequenos:
eu sou homem nada menos,
tu és mulher nada mais;
eu sou funcionário público,
tu minha esposa bem cedo,
eu sou Artur Azevedo,
tu és Carlota Morais.
Arthur Nabantino Gonçalves de Azevedo, nascido em São
Luís do Maranhão a 07 de julho de 1855, é uma das grandes figuras do humorismo
brasileiro. Foi jornalista, comediógrafo, contista e poeta. Em toda sua obra campeia um
fino e gracioso humorismo. Autor dos "Contos Possíveis", "Contos
Efêmeros", "Contos fora de moda", "Contos em verso",
"Contos Cariocas" e "Vida alheia", espalhou também sua verve em
dezenas de revistas teatrais e de esfuziantes comédias, entre as quais sobressaem "O
Dote", "A Almanjarra", "A Véspera de Reis", "O
Oráculo", "Vida e Morte", "Entre a Missa e o Almoço",
"Entre o Vermute e a Sopa", "Retrato a Óleo" e "O amor por
Anexins". Trabalhou nos principais jornais da época, no Rio de Janeiro, tendo
fundado e dirigido "A Gazetinha", "Vida Moderna" e "O
Álbum". Membro fundador da Academia Brasileira de Letras, em que ocupou a cadeira n.
29, para a qual tomou Martins Penna como patrono, faleceu no Rio de Janeiro a 22 de
outubro de 1908. O texto acima foi extraído do livro "Humor e Humorismo - Poesia e
Versos", Ed. Brasiliense - São Paulo,1961, pág. 118. Uma seleção de poesias e
versos feita por Idel Becker.
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