Fábrica de Casamento
Artur de Carvalho
Chegamos correndo. O casamento estava marcado para as sete horas. Já era sete e meia.
Apressamos o passo até onde permitia o salto alto da minha mulher.
Calma, querido...
Olha lá... já começou...
Eu vou acabar quebrando o salto...
Entramos. Os noivos já estavam no altar.
Tá vendo? Nem vimos a noiva entrando.
Os noivos lá, de costas. Eu conhecia um ou outro padrinho.
Você sabia que o Almeida era padrinho?
O Almeida?
É... Olha ele lá.
Puxa vida. Eu nem sabia que o Almeida conhecia os noivos...
O casal na frente da gente, além de ser o mais alto da igreja, não sentava nas horas que
a cerimônia exigia.

Minha esposa e eu ficávamos olhando por entre os ombros deles.
Quem é aquela, com o Ubiratam?
O Ubiratam também é padrinho?
Não. Olha ele ali, no terceiro
banco. Quem é aquela com ele?
Sei lá. Não é a esposa?
Não. Deve ter separado.
Separado? O Ubiratam?
As luzes das câmeras de vídeo
atrapalhavam a visão. Ficavam atrás dos noivos, e não dava pra ver nada. O casal na
nossa frente se abraçava. A gente tentava olhar em volta.
Você viu o vestido da noiva?
É. Eu sempre gostei de vestidos beges.
Quem é que disse que é bege? É branco.
Branco nada. Não tá vendo?
Os alto-falantes estavam com um pouco de microfonia, mas deu pra ouvir o sim dos dois.
Você ouviu a voz dela? Deve estar chorando.
É. Ela sempre fica emocionada nessas ocasiões. Imagine agora, no casamento...
Olha lá... Aquela é a mãe dela?
Sei lá... Eu não conheço... Mas deve ser...
Nova, né?
As luzes das câmeras estavam mesmo insuportáveis. Ofuscavam tudo. Mas deu pra perceber
que a cerimônia já estava acabando. Os padrinhos fizeram um círculo em torno dos
noivos. Estavam descendo do altar.
Vem cá. Vamos tentar ficar aqui perto, pra ela ver que a gente veio.
Mas tem muita gente.
Vem cá!
Os noivos desceram do altar. Todo mundo se aglomerou ao lado do corredor central, ornado
com um tapete vermelho. Um homem me deu uma cotovelada, quando tentei passar à sua
frente. Ficamos, minha mulher e eu, cercados por uma pequena multidão.
Ela está passando! Ela está passando!
Você viu o vestido? Eu falei que era bege!
É branco. Não tá vendo?
Os noivos passaram. Atrás, os padrinhos. Deu pra ver o Almeida. Ele sorriu e fez um
meneio com a cabeça. Eu sorri pra ele. Os ocupantes dos bancos foram se dispersando pela
igreja. Começaram a chegar os convidados para o outro casamento. A coisa ficou meio
tumultuada.
Vamos embora, querida?
Mas nós não vamos cumprimentar os noivos?
Não. Vamos embora.
Mas a gente precisa ver os noivos. Quer dizer, os noivos precisam ver a gente.
Depois vão falar que a gente não veio.
O Almeida me viu.
Viu nada.
Saímos da igreja e fomos cumprimentar os noivos. Tinha fila. Uma confusão na frente da
igreja. O outro casamento já ia começar. Ouvimos um sino. A nova noiva já estava
entrando.
Nossa.. Mas é um atrás do outro, hem?
É. Parece fábrica.
Finalmente, chegou a nossa vez. A noiva estava de costas, cumprimentando o Ubiratam. Ela
estava de branco, afinal de contas. Aí, a noiva se virou. Minha mulher arregalou os
olhos. Eu disfarcei. Dei um beijo, desejei felicidades. Minha mulher fez o mesmo.
Saímos da fila e voltamos correndo para dentro da igreja. Minha mulher reclamou.
Calma... Cuidado com o salto.
Entramos e olhamos para o altar. Os noivos já estavam lá, de costas.
Caramba... Será que agora são eles?
Artur de Carvalho (1962 - 2012) colaborou com o "Diário de Votuporanga", interior de
São Paulo, de 1997 à 2012. Autor dos livros "O Incrível Homem de Quatro Olhos",
edição do autor Votuporanga, 2000, e "Pah!", Vialettera Editora, 2003.
Além de excelente escritor e cronista, era cartunista e ilustrador dos melhores.
Seus trabalhos podem ser conferidos em seu site, onde também
se pode comprar os livros:
Sítio:
www.arturdecarvalho.com.br
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