Rindo pra não chorar
Artur de Carvalho

Todos os dias eu chego em casa e me sento na frente da TV, ansioso, esperando começar o
horário eleitoral. Para dar umas risadas, sabe? São tão poucos os motivos para se rir
hoje em dia que a gente não pode perder a oportunidade de ver um louco de pedra gritando
de punhos fechados que a solução para São Paulo é um trem bala. Eu simplesmente rolo
de rir. E o mais engraçado é quando o candidato a governador (é, o cara é candidato a
governador) obriga seus partidários (sim, o maluco tem partidários) a vestirem uma
camisa da seleção brasileira e gritarem juntos rumo à vitória, todos dando
um soco no ar, de punhos fechados, como se tivessem feito um gol. Mas o que é isso, meu
Deus? Alguém tem de internar aqueles caras imediatamente num sanatório antes que eles
cometam algum ato mais violento, ou até mesmo alguma perversidade.
E falando em Deus, tem um outro que diz
que vai entregar São Paulo nas Mãos de Deus. Pelo menos esse aí tem lá uma certa dose
de razão e de sinceridade. Ninguém dá conta mesmo de arrumar essa bagunça, melhor
entregar logo nas mãos de Deus e acabar de vez com toda essa anarquia.
E aí, entra o Enéas.
Bem, a gente pode falar qualquer coisa do Enéas, menos que ele não seja uma figuraça.
Tirando aquelas encanações dele com a bomba atômica, daria para confundi-lo com aqueles
loucos mansos de cidade do interior, sabe? As crianças assobiam e os malucos saem
correndo e babando atrás das crianças, mas quando alcançam não fazem nada e todo mundo
acaba dando risada. Eu sou fã do Enéas. Se eu fosse ele, nas próximas eleições me
candidatava a uma vaga na A Praça é Nossa.
Mas o mais engraçado mesmo são aqueles candidatos que ficam com os olhinhos mexendo,
tentando ler o texto que está escondido atrás das câmeras. Normalmente o texto se
resume a algo assim: Eu sou Fulano de Tal, apóio Sicrano de Tal, o meu número é
tal. São apenas três frases, e o pobre coitado não consegue decorar! O que é que
ele vai querer fazer lá na assembléia legislativa se ele não consegue decorar nem três
frases seguidas, puxa vida?
Sei que, desde que o horário eleitoral começou, eu venho me esbaldando de tanto rir.
Toda noite eu estouro umas pipocas, ligo a televisão e quando o programa acaba eu estou
com o fígado completamente desopilado. Parei até de tomar uns comprimidos para os nervos
que o médico tinha me receitado.
Eu só fico bravo mesmo quando aparecem uns estraga-prazeres que resolvem baixar o astral
do programa. Tá todo mundo dando risada e se divertindo, e de repente aparecem esses
sujeitos de cara fechada e voz embargada. Eles abrem uns papéis e começam a expor uns
tais planos de governo. E ficam falando dos problemas da educação. Mostram favelas e
criancinhas com fome. Falam que não sei quantos seqüestros estão acontecendo por
semana. Do crime organizado. Que a dívida no exterior não sei o quê. Que os juros
brasileiros são os mais altos do mundo. Esse tipo de coisa que não leva a lugar algum.
Será que ninguém vê que desse jeito o programa vai acabar perdendo totalmente a graça?
Artur de Carvalho (1962 - 2012) colaborou com o "Diário de Votuporanga", interior de
São Paulo, de 1997 à 2012. Autor dos livros "O Incrível Homem de Quatro Olhos",
edição do autor Votuporanga, 2000, e "Pah!", Vialettera Editora, 2003.
Além de excelente escritor e cronista, era cartunista e ilustrador dos melhores.
Seus trabalhos podem ser conferidos em seu site, onde também
se pode comprar os livros:
Sítio:
www.arturdecarvalho.com.br
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