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Antônio Maria
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Romance dos pequenos anúncios
Antônio Maria
Dinheiro Preciso 35 mil
cruzeiros empréstimo,
boas referencias.
Pago no vencimento
50 mil 30 dias.
Mas, a gente vai separar por quê? perguntou o marido. A conversa começou
cerca da meia-noite, e eram oito da manhã. Marilda só dizia que ia separar e que não
ficava mais nem um dia. Na hora de explicar o motivo, se trancava. A pergunta "você
tem um novo alguém", Jaribe lhe fizera umas mil vezes. Marilda se arrepiava da
cabeça aos pés, com a forma "um novo alguém". Foi quando Jaribe levantou, foi
no armário e, de urna malinha da Varig, trouxe um Smith Wesson 38, carga dupla.
Fala, Marilda. Se não falar eu me mato aqui mesmo.
Marilda não sabia daquele revólver. Nunca vira, antes, alguém com um revólver na mão.
Sentiu uma náusea. A violência, qualquer espécie de violência, lhe nauseava. Pediu:
Guarde o revólver que eu falo.
Jaribe atirou o revólver, de qualquer maneira, no armário.
Vai, fala.
Marilda ergueu metade do corpo e recostou no espaldar da cama. Tinha que falar. Um homem
nunca se conforma em separar-se sem ouvir, bem direitinho, no mínimo 500 vezes, que a
mulher não gosta mais dele, por que e por causa de quem. Já mulher, não (pensava).
Basta que o homem lhe diga uma vez que quer ir embora, nasce-lhe um brio, um ódio
poderoso, uma espécie de soberba, tão grande, que ela se veste toda, pega um telefone,
pede um táxi e sai. Mulher (pensara Marilda, a noite inteira) pode não ter muita
vergonha nos outros lugares. Mas, na cara, tem. Mulher não se importa de vestir o menor
dos biquínis e deixar que a vejam, horas. Mas não consente que o homem que a despreza
lhe olhe a cara, um só minuto.
Mas tinha que falar, porque homem, enquanto não sabe do pior, não sossega. E começou,
Marilda, sem um segundo de sono (seis "dexas"), recostada no espaldar.
Escuta, bem. Você sabe que eu tenho minhas coisas, não sabe? Fala. Sabe ou não
sabe?
Mas conta.
Você vai dizer que eu sou louca, se eu disser que, no terceiro mês de casada,
não agüentava ouvir ou dizer seu nome. Nós estamos casados há dois anos e três meses,
não é? Pois bem, qual foi a última vez que você me ouviu chamar você pelo nome?
Jaribe fez uma rápida busca no tempo e só lembrou de Marilda a chamá-lo de "meu
bem". Ou, então, quando não havia ninguém perto, falar assim: "hei"!...
e dizer o que queria.
Marilda continuava:
Tentei o seu sobrenome. Você se lembra que, de junho a agosto do ano passado, eu
passei chamando você de Carvalho? Mas não podia continuar. Mulher chamar marido pelo
sobrenome é humilhante demais.
Mas meu nome é tirado da Bíblia ... apelou Jaribe.
Marilda continuou:
Mas não é só isto. Você fala umas coisas que não há mulher que agüente.
Houve uma pausa, que Jaribe se apressou em quebrar:
Por exemplo?
Marilda preferia não dizer. Ajeitou-se no espaldar da cama, puxando o lençol acima dos
seios, pois naquela posição a camisola não estava dando conta. Mulher não diz nada
sério, não assume mesmo a mínima dignidade, se houver qualquer de suas pudícias à
mostra. Marilda puxou o lençol até o pescoço.
Eu estou esperando insistiu Jaribe.
E Marilda falou o resto:
Outra coisa: você fala "menas".
Como assim?
Você diz muito: "menas gente".
Jaribe a amava como um louco. Sentia, por dentro, uma dor enorme. Aquela dor da falta de
ginásio. Mas queria saber tudo:
E você tem um novo alguém?
Marilda botou o rosto dentro das mãos e começou a chorar. Chorava e falava, ao mesmo
tempo:
Me manda embora! Me manda um mês para fora pra ver se a gente conserta! Deixa eu
ficar dois meses no Paraná com a família da minha madrasta! Vai, arranja um dinheiro e
me manda! Depois a gente acerta.
Jaribe o que queria era esperança. Como todo homem que sente perder a mulher, queria a
esperança de ainda retê-la. Tivesse ou não "um novo alguém", ele queria
Marilda. Honra? O que é honra? Em que parte do corpo está localizada?
Com a lucidez dos enganados, Jaribe descobria todas as verdades da vida.
Pobre Jaribe! Iria arranjar o dinheiro, custasse o que custasse. Com uns 35 mil cruzeiros,
solucionaria o problema. Qualquer agiota lhe emprestaria 35 por cinqüenta, em trinta
dias. Qualquer um. O próprio contador da Importadora. Se falhasse, era só botar um
anúncio no Jornal do Brasil. Naquela efusão de suas esperanças, pensou:
"Por que será que a Condessa comprou a Tribuna?". Pôs-se de pé.
Olha, Marilda. Você vai para o Paraná, sim. Depois de amanhã. Fica lá,
descansa, passa o tempo que quiser e depois volta.
Faz uma coisa pediu Marilda . Você me escreve, tá?
Claro. Você vai para descansar.
E Jaribe foi para o banheiro, alentado por todos os maus alentos. Vigiar-se-ia dali por
diante quando falasse.
Precisava de Marilda. Retê-la-ia, custasse o que custasse. E, coitado, em tudo o que
pensava, não estava mais que estruturando sobre o absurdo.
24/2/1962
Texto extraído do livro "Com vocês, Antônio Maria", Editora Paz e Terra, São
Paulo, 1994, pág. 185.
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