Explicação do Amor
Cacaso
(Antônio Carlos Ferreira de Brito)
O amor em seu próprio corpo
recebe os cacos que lança:
Diálogo de briga ou rinha
em tom de magia branca.
O amor, o dos amantes,
é sangue da cor de crista:
Coagula insensivelmente
nas polifaces de um prisma.
O amor nunca barganha,
que trocar não é seu fraco:
Recebe sempre entornado
como a concha de um prato.
Amor não mata: previne
o que vem depois do susto:
Modela o aço e o braço
que vão suportar o muro.
O amor desconhece amor
sem ter crueza por gosto:
Contempla-se diante do espelho
sem nunca ver o outro rosto.
Rio. 1963.
Cacaso (Antônio Carlos Ferreira de Brito) nasceu em Uberaba (MG), no dia 13 de
março de 1944. Com grande talento para o desenho, já aos 12 anos ganhou página inteira
de jornal por causa de suas caricaturas de políticos. Antes dos 20 anos veio a poesia,
através de letras de sambas que colocava em músicas de amigos como Elton Medeiros e
Maurício Tapajós. Seu primeiro livro, "A palavra cerzida", foi lançado em
1967. Seguiram-se "Grupo escolar" (1974), "Beijo na boca" (1975),
"Segunda classe" (1975), "Na corda bamba" (1978) e "Mar de
mineiro (1982). Seus livros não só o revelaram uma das mais combativas e criativas vozes
daqueles anos de ditadura e desbunde, como ajudaram a dar visibilidade e respeitabilidade
ao fenômeno da "poesia marginal", em que militavam, direta ou indiretamente,
amigos como Francisco Alvim, Helena Buarque de Hollanda, Ana Cristina Cezar, Charles,
Chacal, Geraldinho Carneiro, Zuca Sardhan e outros. No campo da música, os
amigos/parceiros se multiplicavam na mesma proporção: Edu Lobo, Tom Jobim, Sueli Costa,
Cláudio Nucci, Novelli, Nelson Angelo, Joyce, Toninho Horta, Francis Hime, Sivuca, João
Donato e muitos mais. Em 1985 veio a antologia publicada pela Editora Brasiliense,
"Beijo na boca e outros poemas". Em 1987, no dia 27 de dezembro, o Cacaso
é que foi embora. Um jornal escreveu: "Poesia rápida como a vida".
Em 2002 é lançado o livro "Lero-Lero", com suas obras completas.
O poema acima foi extraído do livro "Lero-lero", Viveiros de Castro Editora
(7Letras) - Rio de Janeiro e Cosac & Naif - São Paulo, 2002,
pág. 177.
|