Piorar para Melhorar
Millôr Fernandes
Era uma vez, um camponês que rimava ez com nês. Mas essa sua simples vocação poética
era atrapalhada pelo barulho imenso que faziam as pessoas que moravam com ele. Pois na
cabaninha modesta de apenas um quarto-sala conjugado, moravam a mulher do camponês, a
amante do camponês, três filhos do camponês, um filho adotivo da amante do camponês,
uma vó do camponês, um cobrador de seguros parente afastado do camponês e um corcunda
que ninguém sabia como tinha conseguido penetrar no enredo do camponês. E, como todos
falavam e gritavam e brigavam e berravam, o camponês não tinha vez nem de mês em mês
de exercer com altivez seu hábito burguês de poetês. Assim, um dia, foi procurar o
conselho do eremita mais próximo, cujo eremita, tirando o traje de califa com que estava
vestido o eremita era meio chegadão a um travesti lhe disse:
- Quantas pessoas ao todo moram no seu
budoar?
- Citando minha sogra como pessoa,
dezoito disse o camponês.
- E cabeças de gado, quantas tem? -
indagou o eremita enquanto tirava o batom dos lábios.
- Três bois, uma vaca, seis cabritos, um
burro, uma égua, uma mula, quatro porcos. Contando tudo isso como gado e não contando
minha sogra como tal: dezessete cabeças.
- Põe tudo dentro da casa e volte para
nova consulta daqui a um mês disse o eremita ao camponês, que assim fez, sem
pensar mais uma vez.
Claro que sua vida se transformou num
inferno: ao cheiro da sogra juntou-se o dor da vaca, ao gemido de mulher juntou-se o
grunhido de porco, ao empurrão da tia juntou-se o coice do cavalo. De modo que, antes do
prazo aprazado, o eremita foi de novo procurado para resolver o piorado. Mas o eremita,
sem se perturbar, disse apenas, enquanto experimentava um brinco de esmeraldas:
- Agora põe todos os animais pra fora de
casa que você vai se sentir num paraíso.
O camponês, percebendo imediatamente a tremenda sabedoria do eremita, correu para casa,
abriu a porta, pôs toda família na rua e foi feliz para sempre vivendo em absoluta
promiscuidade com os animais.
MORAL: Até um poeta campestre pode
melhorar um mestre.
Texto extraído de "Novas Fábulas Fabulosas", uma colaboração de Carlos
Alberto Coelho, de Cascavel (PR).
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