O açougueiro
Adriana
Costalunga
Era dia de faxina na casa de Zulmira quando o toque insistente do telefone a fez descer do
alto da escada onde limpava uma prateleira.
Desculpe-me a ousadia... foi o que logo ouviu de uma voz galante.
Há tempos venho ensaiando para te ligar...
O coração começa a bater descompassado. Quem diria? Alguém a notara por aí! E
pensar que o marido nem chegou a perceber que pintara o cabelo de vermelho...
Eu quero marcar um encontro com você...
Ao ouvir a proposta, Zulmira enrubesceu. O coração parecia querer pular fora de
seu peito. E agora? O que dizer?
E então? insistiu a voz.
Eu... eu... não posso... gaguejou. Quem seria este homem? Aquele
vizinho novo que vivia às voltas com um poodle? Não! Ele parecia ter um jeito meio
afetado. Deus meu!, seria o Odorico? O açougueiro? Bem que percebera que ultimamente ele
sempre lhe escolhia a melhor peça...
Eu sei que você é uma mulher casada... eu entendo... mas é apenas um
encontro...
Não, eu não posso! repetiu com firmeza. Afinal de contas tinha lá
os seus princípios, e ainda por cima dois filhos adolescentes. E se fosse mesmo o
Odorico? Ah! O Odorico sim valia a pena. Um homem que mexia com a carne daquele jeito, o
que é que não faria com uma mulher?
Ninguém ficará sabendo... eu prometo! continuou ele, persuasivo.
E tenho certeza que será uma noite inesquecível... Começaremos com um jantar à
beira-mar... Depois iremos navegar durante a madrugada...
Zulmira deixava-se levar pela imaginação quando foi surpreendida por uma pergunta:
Você gosta de ostras?
Ostras? repetiu, sem saber o que responder. Nunca comera ostras em
toda sua vida, mas lera numa revista da cabeleireira que ostras eram afrodisíacas.
Se você não gosta eu...
Não! Imagine... gosto sim! exclamou.
Eu posso esperá-la amanhã à noite? perguntoulhe o homem.
Estou bastante ansioso para encontrá-la.
E agora? Deixaria a vida passar sem lutar por algumas boas lembranças? Este
pensamento fora suficiente para convencê-la.
Sim! respondeu decidida. Onde podemos nos encontrar?
Faz o seguinte Telma: às 8:30 você me liga...
Ei! Peraí! Meu nome não é Telma!
Não?!! exclamou o homem, aturdido.
Não! confirmou Zulmira, com a voz zangada.
Mil perdões! disse ele e desligou envergonhado num baque rápido.
E sem mais nada por esperar daquela tarde, Zulmira continuou a espanar a prateleira,
pensando, de quando em quando, num longo suspiro, que a vida é assim mesmo.
Adriana Costalunga (1968), é de Campinas (SP). Graduada em Comunicação Social,
com Pós-Graduação em Administração, cursa a Faculdade de Direito. É
redatora e revisora de textos de publicidade. Colaborou com crônicas para os
jornais Diário do Povo, de Campinas, e Diário de Sorocaba. Atualmente
estagia em um escritório de advocacia.
Em 2006, lançou o livro "A arte de conquistar
clientes", sobre empreendedorismo, pela R G Editores.
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