Páreo corrido
Leonardo Colucci
"Não me importo se perco ou se ganho,
só quero apostar
Charles Bukowisky
Foi um dia ruim hoje no hipódromo. A falta de sorte na semana já seria suficiente para
afastar-me dos cavalos. Mas não consigo. Preciso deles. Apesar dos apelos de Suzi, a
única certeza que tenho é de que amanhã estarei lá.
A espera entre um páreo e outro é que chateia. Vejo o tempo correndo feito água morro
abaixo. E eu ali: Hei, espere por mim. Já não sou mais tão rápido para
alcançá-lo!. Mas quando é dada a próxima largada, mergulho na água e sou levado
pela correnteza.
Alguns jovens repórteres fantasiam que vou às corridas também para discutir literatura
e coletar material para meus livros. Digo a eles que a única coisa que me atrai lá são
as apostas, o risco. Percebo que eles tentam dar um romantismo à minha vida, mas a
verdade sobre o hipódromo é que ele é freqüentado pela escória, por um bando de
fracassados. Se eles querem histórias bonitas sobre intelectuais, procurem estes poetas
chupadores de pau que se escondem atrás de uma excentricidade que não existe. Conheci
muitos deles e afirmo: são vazios, pois suas vidas são uma mentira.
Por isso há alguns anos aceitei a sugestão de um amigo e resolvi escrever este diário.
Não quero minha vida contada por um destes aventureiros. Escrevo hoje para salvar o meu
próprio rabo. As horas que passo em frente ao computador trancado em meu quarto são por
isso.
Muito do que publicam sobre mim é fantasia. Estes colunistas não são competentes o
bastante para produzir histórias atraentes. Há anos relato acontecimentos da minha vida
e vendo como ficção. Isso me proporcionou muitas coisas. Além de popularidade e
dinheiro, comi mulheres que jamais olhariam pra mim. Por isso não lhes concedo mais do
que uma noite. Aprendi a conviver com isso. Poucas coisas são reais. O Jazz é real. Suas
harmonias e uma garrafa de whisky me fazem ver o mundo de outra forma. A maioria de minhas
melhores histórias tem a música e o álcool como pano de fundo. Como, aliás, é a minha
vida.
Mas nem sempre foi assim. Já passei por dificuldades e sei o que significa esfolar o
traseiro em uma cadeira tentando produzir algo que possa ser vendido. Até o dia em que se
acerta a mão e a coisa rola. E daí se hoje esbanjo dinheiro em cavalos? Agüentei muita
coisa para chegar até aqui. Agora quero mais é ver o tempo passar.
Enquanto estou aqui anotando estas merdas, penso em Suzi que está agora sozinha
assistindo TV na sala. Sinto pena dela. Tem sido minha companheira nestes anos e tornou-se
uma solitária, assim como eu. Está sempre a minha espera. Suas amigas não a visitam
mais desde a última vez que as botei para fora de nossa casa. Nem com isso ela se
importou. Tudo bem, Peter. Eu entendo disse-me naquela ocasião. Já não
temos mais a mesma paixão de alguns anos atrás, a velhice nos separou um pouco, mas
ainda curtimos bons momentos juntos e Suzi continua cozinhando muito bem.
Acho que vou descer e fazer um pouco de companhia a ela. Afinal eu sou um cara legal.
Além disso, a minha cerveja terminou e preciso buscar mais.
Leonardo Colucci nasceu em Caçapava do Sul - RS e está no mundo desde 71.
Iniciou na carreira literária há alguns anos quando integrou a oficina Charles Kiefer de
literatura. Tem trabalhos publicados em antologias de contos e mini-contos e foi
recentemente premiado no Concurso Literário Luis Vilela. Escreve madrugada adentro
ouvindo blues e bebendo vinho até seus personagens se recolherem para dormir.
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